– Trilha Sonora: https://www.youtube.com/watch?v=QZWAMPfPHmQ
– Sexta-Feira, 08 de Junho de 2001, 22h47min
– Casa do Reverendo, Camden.
– Inglaterra, Londres.
Joakim Nätterqvist balançava-se lentamente na antiga cadeira de mogno escuro, herdada de sua mãe. Era um hábito noturno, aquele, um ritual de sentar-se todos os dias no mesmo ponto da casa e degustar um brandy. Era naqueles momentos que Deus falava com Joakim, que lhe fazia saber de Sua Vontade. E Deus era sempre extremamente claro e conciso, sem deixar margens a más interpretações de suas palavras ou de seus desígnios. Joakim limitava-se a segui-lo.
Num outro extremo da sala o manto negro e a máscara com a qual fazia a vontade divina. Ao seu lado direito, o pesado crucifixo de madeira que há anos adornava a escrivaninha. Havia uma ordem em tudo na sala, tudo parecia estar exatamente no lugar onde nasceu para estar. Assim era com toda a Criação. Não seria diferente com a Inglaterra.
Joakim Nätterqvist ouviu os pesados passos de Mr. Langley quando ele entrou na sala, um homenzinho redondo e suado, esbaforido e avermelhado, que contrastava com a altura e imponência de Joakim, evidenciada em seus ombros largos e rosto quadrado. Langley cumprimentou-o efusivamente antes de servir-se de um copo de Whisky.
– Diga o que deseja de mim, Reverendo. –
– Deus falou comigo, Mr. Langley. Nós precisamos de uma nova Igreja nesta cidade. Os pecados dos ingleses e dos estrangeiros afogam esta nação e nós precisamos, portanto, orar cada vez mais fortemente para afastar a ruína. –
– Entendo, Reverendo. Eu imagino que o senhor precise de uma doação. Cinco mil libras são o suficiente? –
– Eu pensei em outra coisa, Mr. Langley. O seu prédio, nas docas. Aquele conhecido por abrigar prostitutas e charlatães de quinta categoria, além de um ninho de ópio no subsolo. Você vai doá-lo. –
O gordo Langley deu uma gargalhada. Enxugou o suor da testa com um pano sebento e olhou para Joakim. O Reverendo, no entanto, permanecia sério.
– Isto está fora de cogitação, Reverendo. –
Joakim Nätterqvist se levantou abruptamente:
– Você ousa desobedecer os desígnios do Senhor? – Sua voz ressoou pela sala como um trovão e as próprias paredes gemeram. Um vento frio soprou e a sala, outrora muito bem iluminada, escureceu.
Mr. Langley se viu juntamente com o Reverendo no salão principal do China’s Den, sua propriedade alugada para imigrantes chineses que realizavam todo o tipo de negócios ali. Não entendeu o que acontecia, mas entendeu o que viria a seguir. Tremeu. O Reverendo, contudo, segurava-lhe o braço direito. Fitava a um outro Langley, muito mais suado e ansioso, subindo as escadas do bar com muito dinheiro nas mãos. Era o aluguel semanal. O Reverendo pôs-se a seguir o “outro” Langley, arrastando o primeiro contra a sua vontade. E, lá em cima, testemunhou o Pecado. Langley acariciava um jovem rapaz chinês. Uma criança. Não mais de 6 anos. Joakim permaneceu impassível. Mr. Langley, o que estava de pé, se recusava a olhar:
– Observe os seus próprios pecados, John Langley. –
Estavam de volta a sala da casa do Reverendo. Num canto, uma máscara de médico da peste negra observava Langley.
O London Times do dia seguinte trouxe duas notícias. Uma extremamente triste e outra que trazia um fio de esperança. Noticiava em primeira mão o suicídio do banqueiro John Langley, pai honrado e marido protetor, homem de boa família. Anunciava também sua última boa ação. A doação de um antigo antro de uso de ópio para o Reverendo Joakim Nätterqvist, onde este pretendia fundar uma nova Igreja.
